Os sonhos aquecem a alma abrem estradas sombreadas no pensamento adormecido e põem a vida pra andar.
domingo, 29 de maio de 2016
DIZIAM QUE...
"Diziam que, entre as nações sobreditas, moravam algumas monstruosas.
Uma é de anãos, de estatura tão pequena, que parecem afronta dos homens; — chamados Goiasis.
Outra é de casta de gente, que nasce com os pés ás avessas, de maneira que quem houver de seguir seu caminho há de andar ao revés do que vão mostrando as pisadas; chamam-se Matuius.
Outra é de homens gigantes, de dezesseis palmos de alto, adornados de pedaços de ouro por beiços e narizes, e aos quais todos os outros pagam respeito; têm por nome Curinqueás.
Finalmente que há outra nação de mulheres, também monstruosas no modo do viver (são as que hoje chamamos Amazonas, e de que tomou o nome o rio) porque são guerreiras, que vivem por si só sem comércio de homens; vivem entre grandes montanhas; são mulheres de valor conhecido...
Padre Simão de Vasconcelos.
(Crônica da Companhia de Jesus no Estado do Brasil, 1663, Liv. I, cap. 31.)
Os Monstros
Não me perdi numa ilusão... Perdi-me
Na existência, entre os homens. E encontrei-os,
Vivos, bem vivos! — estes monstros feios,
Cujo peso afrontoso a terra oprime.
Mas há monstros no bem, como no crime:
Outros houve, que em hinos e gorjeios
Talvez viveram e morreram, cheios
De extrema formosura e ardor sublime.
Ah! no dia da cólera tremenda,
Os monstros bons, agora fugitivos
Desta míngua de fé que nos infama,
Ressurgirão no epílogo da lenda:
Os mortos voltarão varrendo os vivos,
E os maus se afogarão na própria lama!
II
Os Goiasis
Ainda viveis, espíritos obscenos,
Como nos dias do Brasil inculto,
Na inteligência anãos, como no vulto;
Como no corpo, no moral pequenos.
Espremeis a impotência do ódio estulto
Em pérfidos esguichos de venenos..
Tendes baixeza em tudo: nem, ao menos,
Força na inveja e elevação no insulto!
Répteis humanos, no coleio dobre
De rastos babujais templos e lares;
Contra os bons, contra os fortes de alma nobre,
Línguas e dentes dardejais nos ares:
Mas só podeis ferir, na raiva pobre,
Em vez dos corações, os calcanhares.
III
Os Matuius
De pés virados, marcha avessa e rude,
Dedos atrás, calcâneos para a frente,
Ainda viveis, mentores sem virtude,
Que a verdade escondeis à vossa gente!
Sabeis, — e errais propositadamente,
Traidores nas lições e na atitude:
Aos corações o vosso exemplo mente,
Como no solo o vosso rasto ilude.
Pobre quem calca o vosso piso errado:
Em vez da liberdade encontra um muro;
Pedindo a salvação, cai num pecado;
E acha em lugar da glória o lodo impuro:
Para seguir-vos, vai para o passado;
Por imitar-vos, foge do futuro.
IV
Os Curinqueãs
Ainda viveis! Conheço-vos, felizes
Morubixabas de ambições astutas,
Que em desgraçadas e mesquinhas lutas
Desgovernais misérrimos países!
Já tendes paços em lugar de grutas...
Mas, apesar do tempo e dos vernizes,
— Se os não trazeis por beiços e narizes,
Os botoques guardais nas almas brutas.
Pobres de idéias, ávidos de foros,
Rudes pastores de servil rebanho,
Espirrais arrogância pelos poros...
Sois sempre os mesmos Curinqueãs de antanho:
Vastos e estéreis, ocos e sonoros,
Unicamente grandes no tamanho!
V
As Amazonas
Nem sempre durareis, eras sombrias
De miséria moral! A aurora esperas,
Ó Pátria! e ela virá, com outras eras,
Outro sol, outra crença em outros dias!
Davi renascerá contra Golias,
Alcides contra os pântanos e as feras:
Os corações serão como crateras,
E hão de em lavas mudar-se as cinzas frias.
As nobres ambições, força e bondade,
Justiça e paz virão sobre estas zonas,
Da confusa fusão da ardente escória.
E, na sua divina majestade,
Virgens, reviverão as Amazonas
Na cavalgada esplêndida da glória!
OLAVO BILAC
In Tarde, 1919
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